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HUMANIDADE - O COMEÇO

   Foi por volta de 50.000 a.C. - início do Paleolítico Superior - que o homem assumiu sua forma atual, a de Homo Sapiens.  Desde então, por muito tempo, a natureza foi o único recurso para a sua sobrevivência. Vivia como os animais: recolhia alimentos aqui e ali, improvisadamente, ignorando sua maior virtude, a da multiplicação pelo cultivo. Não teve consciência, tampouco, de que era prejudicial abater indiscriminadamente os animais para comer. Mantendo-os vivos, teria uma fonte quase inesgotável de alimento, como o leite, e de vestimenta, como a lã.
   Por seu desconhecimento, viveu em nomadismo: esgotados os produtos da terra ou os animais de uma determinada região, rumava para outros lugares, para outros mananciais.  As sociedades desse tempo se organizavam em função da economia de coleta, inclusive no tocante ao desempenho de funções, pois já então se delineava, embora ainda confusamente, uma rudimentar divisão do trabalho.
   O critério para a especificação dos serviços era a diferença de sexo: os homens caçavam, as mulheres se incumbiam de procurar raízes, ervas e frutas, cavoucando o chão ou investigando árvores. A única especialização "profissional" consistia na produção familiar do equipamento necessário:  ferramentas rudimentares de madeira e de pedra. Grupos mais evoluídos chegaram até o arco.
   O desenvolvimento dessas culturas esteve entravado pela economia de coleta, mesmo as mais significativas, por ter aproveitado condições que permitiram a subsitência de um grande número de indivíduos. Mas o crescimento demográfico,  nessa e nas demais comunidades, era limitado e por vezes nulo.
A vida se manteve assim até o Período Neolítico, ou da pedra polida. Então, uma inovação praticamente revolucionária surgiu na zona do Mediterrâneo Oriental,  na Palestina,  Síria,  Iraque e  Irã.   Data: cerca de 8.000 a.C..  Pois nas escavações arqueológicas de Jarmo, no Iraque, foram descobertos grãos de trigo, cuja idade é de aproximadamente 6.000 anos. É que as mulheres de então, ao pesquisarem o solo em busca de alimentos, encontraram sementes silvestres de que se originaram o trigo e a cevada.  E descobriram que, plantando-as, obtinham bom alimento. O mesmo se deu depois com a ervilha, o feijão, a lentilha, o arroz, o milho, o inhame, a mandioca,  cabaça, etc.. O que nos parece agora de evidência natural  - a germinação das plantas comestíveis - constituiu um enorme avanço na evolução do homem,  pois este passou a participar do trabalho da natureza, determinando-o.
   A participação ativa, e não mais passiva, do homem em relação ao ambiente, desencadeou uma farta produção de víveres e utensílios. Mesmo assim, ainda não existia uma especialização de funções na aldeia:  a divisão do trabalho ainda se faz com base no sexo dos indivíduos: as mulheres lavram parcelas de terra, moem, cozinham, fiam, tecem, confeccionam roupas, moldam recipientes de argila, preparam adornos e objetos mágicos;  os homens capinam, constroem choças, cuidam do gado, caçam, fabricam armas e ferramentas:  machados de pedra, afiados por meio do polimento (que os arqueólogos reputam como típico instrumento neolítico),  implementos para lavrar o solo, para segar, armazenar colheitas e transformá-las em
alimentos; para cavoucar a terra existia um bastão pontiagudo de madeira, ao qual era acrescentada uma pedra perfurada na ponta;  toscas enxadas, rudes foices e arados são os demais recursos utilizados por essse homens.  E, ao mesmo tempo que o homem descobria a fertilidade do solo, apossava-se da reserva viva e dinâmica representada pelos animais: domesticou cabras, ovelhas, vacas e cerdos sevagens,  pela primeira vez na Ásia anterior e na região mediterrâena, na Europa. E foi mais longe: compôs substâncias e matérias inexistentes na natureza:  ao aquecer a argila quebradiça, a mulher primitiva provocou uma mudança química na composição desse material, que ganhou em plasticidade e maleabilidade. Daí para o desenvolvimento da cerâmica e olaria foi uma questão de tempo.

   Assim,  pelo exercício da cultura mista - agricultura e domesticação, o homem não precisava mais abandonar o seu habitat, a não ser esporádica e eventualmente. Em uma palavra, sedentarizou-se. As sociedades já estratificadas, dividiram-se entre governantes e governados, em que a organização não era mais baseada no clã ou parentesco. Em lugar de uma única cultura, registra-se um conjunto de culturas, provavelmente, distintas entre si e com traços comuns que as identificavam; mas a aplicação regional dava expressões diferentes a esse princípios comuns; o cultivo, a olaria, a construção de choças, o aguçamento do machado pelo polimento. As comunidades em geral,  eram pequenas, aldeias ou vilas de extensão variável.As choças eram de caniço, madeira ou pedras, recobertas de barro. Cada aldeia se auto-abastecia com os recursos existentes dentro de seus limites ou redondezas, sem intercâmbio com outras aldeias e comunidades. Essa auto-suficiência e a ausência de especialização das funções constituem as principais características deste peródo Neolítico. Entretanto, nas aldeias e tumbas neolíticas mais primitivas, foram achados materiais trazidos de grandes distâncias. Isso prova que a auto-suficiência não era completa. E nem sempre eram artigos não essenciais: por exemplo, a pedra de cortar (obsidiana), da Ásia anterior e da Europa Central,  foi encontrada em aldeias longínquas;  nestas regiões foram exploradas pedreiras, e dessa atividade nasceram grupos mineiros, com técnicas complexas de perfuração de poços e abertura de galerias subterrâneas. Do produto extraído se fabricavam machados, depois distribuídos por extensas zonas. É provável que alguns grupos mais primitivos tenham convivido com outros mais evoluídos e estabeleceram relações de troca. Assim, apesar da inicial auto-suficiência, estabeleceu-se entre vários núcleos um certo comércio de artigos não essenciais.  Os grupos mais desenvolvidos relacionavam-se de modo mais intenso do que os grupos coletores. Mas o contato com o mundo exterior era sempre acidental e ocasional. Durante a maior parte do tempo, tiveram qua adaptar seu modo de vida a um ambiente limitado. E as culturas se diversificaram porque cada ambiente oferecia a cada comunidade perspectivas peculiares de descobertas e invenções.
     Ao que parece, a estrutura do clã e do parentesco, nas comunidades, prevaleceu durante a revolução neolítica. A terra é propriedade do clã que a cultiva, enquanto as pastagens pertencem a todo o grupo. Em grupos estritamente cultivadores, o parentesco era fixado pela linha materna de descendência,  graças ao importante papel que a mulher desempenhava na economia coletiva. Era o matriacardo. Quando predominaram as atividades de produção, a liderança econômica e social da comunidade passa para os homens e se constitui o patriarcado. Todas essas instituições advieram da adoção da cultura mista.

   Aos poucos, a dupla direção da economia (agricultura e pecuária)  trouxe contradições. O aumento da população tornou necessária a expansão territorial. Só se poderia alimentar um maior número de indivíduos se fossem cultivadas novas terras,  e descobertas novas pradarias para os rebanhos e manadas. Tinha-se o domínio sobre as provisões e o ambiente, era até possível fazer previsões; em compensação, secas, inundações, tempestades e pragas podiam frustar irremediavelmente os planos. Também as reservas eram reduzidas demais para uma situação dessas.  Por outro lado, muitas vezes os grupos produtores tentam utilizar-se, para sua expansão, dos grupos coletores. Nem sempre pacifícamente: todos competem por uma
terra facilmente cultivável.  À medida que escasseiam as terras desocupadas e de fácil cultivo, cria-se um clima de guerra. Na realidade, a economia neolítica não oferecia nenhum estímulo material para produzir mais do que o camponês e sua família necessitavam até a próxima colheita. A comunidade pôde sobreviver sem produzir excedentes, o que restringe sua produção, e portanto sua evolução.
   As contradições só seriam superadas com o advento do excedente, ou seja, de uma produção superior às necessidades. Isso foi obtido através de um procgresso técnico e em especial pela utilização do metal  (de início, o cobre), com a consequente introdução da metalurgia.

    As atividades econômicas e a organização social sofreram mudanças substanciais. Outros setores de produção, extra-alimentares, são revistos e repensados. Concretiza-se e acelera-se o processo de divisão do trabalho, em gestação desde a sociedade neolítica comunitária;  a primeria distinção nítida foi a que se verificou entre as funções espirituais e as materiais.
    Já na sociedade neolítica, o guardador dos celeiros, o distribuidor de alimentos, enfim, o responsável pela subsistência da comunidade, tinha dentro dela um papel próximo ao de sacerdote. Como tal, encarregava-se do estudo do tempo de plantação e colheita, engendrando práticas mágicas  para garantir seu prestígio. Aos poucos, sua atividade se apura cada vez mais,  até constituir prerrogativa de uma figura destacada das outras: o sacerdote.  Quando o metal foi incorporado ao acervo da humanidade, surgiu nas comunidades uma classe inexistente até então: os metalúrgicos, que são os primeiros especialistas, os "técnicos" primitivos. Os "mistérios" do ofício eram transmitidos em herança, seu conhecimento é patrimônio de clãs privilegiadas. É que a metalurgia é a primeira ocupação não-doméstica, destinada a satisfazer a demanda de toda a sociedade. Por conseguinte, os que a ela se dedicam devem viver do excedente da produção do restante da coletividade. Depois dos sacerdotes, talvez seja essa a primeira camada social a se afastar da mera produção de alimentos. Se a nova classe depende dos agricultores para subsistir, em troca oferece os utensílios que produz,  para facilitar a produção de alimentos.
   A adoção de ferramentas abala o regime de auto-abastecimento restrito. Cada indíviduo sacrificará sua independência, em toca de ferramentas  que não pode produzir por conta própria: só por meio de troca. É preciso produzir um excedente alimentar para que ele possa funcionar como objeto de troca de utensílios.
   O mesmo se dá com a aldeia. O minério geralmente está localizado em montanhas áridas, e a matéria-prima quase sempre deve ser importada: seu uso regular cria um comércio de produtos essenciais. Uma unidade  regional se vê na necessidade de obter materiais do exterior; é levada a intensificar a produção de alimentos, para manter os seus especialistas e para trocar com materiais de outras aldeias.

    O homem já conhecia a guerra. Agora, com a evolução da economia, recorre a ela cada vez com mais frequência e ardor. Os guerreiros, antes escalados para a proteção dos companheiros lavradores, passam a formar uma camada social isolada. O metal foi ainda mais valorizado, porque as armas que dele se faziam eram mais eficazes. A divisão do trabalho, além de fixar as atribuições de cada indivíduo ou grupo social - sinônimo de especialização - acarretou a partilha dos frutos do trabalho - sinônimo de propriedade. A partir daí, a história dispara; a roda, o carro de bois, o burro de carga, o barco a vela, são as aquisições que vão se sucedendo.
    Os vales dos Rios Nilo, do Tigre-Eufrates e do Indo foram o berço do fenômeno da produção, há mais de 5 mil anos. É nessa data que se registra a existência das primeiras cidades da história. Isso porque a produção agrícola assegurava condições de vida a uma população de artesãos especializados, comerciantes, sacerdotes, funcionários. Vestígios da cidade mais antiga conservaram-se em Jericó, nas proximidades do Mar Morto, na Palestina. Eles testemunham as superposições de cidades no mesmo espaço. A primeria delas, cujos edíficios e muros de barros, entrou em declínio; outra foi erigida sobre suas ruínas; outra sobre essa, e o processo repetiu-se várias vezes. Há depósitos de ruínas com l3 m de altura, servindo de base para outros edíficios: são os "tel" - colinas - ainda, frequentes em vários pontos de Israel e da Jordânia. 

   Nas diversas e sucessivas camadas dos "tel" podem ser analisadas as radicais modificações da cultura. Elas são o mais eloquente atestado de sedentarização dos povos,  no marco zero de uma história que não tem mais fim...


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